Riqueza de pobre

Foto: Afonso Lima

Lá por meados do ano passado, eu me vi numa situação quase angustiante, por causa dessa mania que todo o ser humano tem de querer melhorar a vida, se dedicar a novos projetos, mudar um pouco de rumo. Normalmente, esses devaneios invadem a cabeça da gente no final do ano, pois o espírito natalino leva os cristãos a acreditar que o ano novo vai trazer a felicidade tão sonhada.
Pois foi o que aconteceu comigo em 2012, quando comecei a rabiscar as minhas metas para os próximos doze meses. E o primeiro item da lista de novas aventuras era uma viagem à Inglaterra. E eis que me vi numa tremenda confusão causada pela melhor notícia de todos os tempos: o Brasil despontou como potência econômica à frente, inclusive, da própria Inglaterra. É uma mudança dramática para quem vivia acostumado com planos de pobre, tais como economizar o salário pra comprar um carrinho usado financiado em trinta e seis vezes; passar um réveillon em Florianópolis, numa casa alugada com a turma de amigos; quem sabe até guardar o décimo terceiro de uma década para realizar um sonhado intercâmbio cultural. De repente, tudo mudou, somos um país rico, com promessas de termos um padrão de vida europeu em menos de vinte anos. Logo no momento em que me preparava para estabelecer contato com a civilização. Na verdade, o intuito de viajar não sofreu alteração, tanto que realmente viajei em maio. O que passou a me inquietar eram algumas dúvidas quanto ao meu novo status. Será que os ingleses iriam me receber com aquele deslumbramento típico com que os nativos de países pobres bajulam os habitantes de nações abastadas? Precisaria eu melhorar meu inglês, ou poderia chegar lá com aquela convicção de que o português é a língua natural dos seres humanos e, portanto, entendido por todos os falantes do planeta? Sem falar na necessidade de aprender a me comportar como se vivesse no primeiro mundo, coisa que os argentinos já nascem sabendo.
O Brasil (quem diria?) virou notícia mundo afora, e não pelas jogadas fenomenais dos grandes astros de futebol, nem pelas bundas mulatas em desfile nas praias cariocas, muito menos pelo turismo sexual dos europeus no nordeste, e sim porque se tornou a terra prometida para muita gente, inclusive haitianos e bolivianos. Ainda não se sabe de nenhuma inglesa que tenha desistido da universidade de Oxford ou Cambridge para tentar a sorte como doméstica na Barra da Tijuca e no Morumbi, ou correr atrás de uma gravidez brasileira para conseguir cidadania, mas já temos casos comprovados de executivos americanos que deixaram para trás a incerteza enervante de Wall Street para se instalar no sossego promissor de São Paulo. E desceram em Guarulhos com tudo prontinho, sala montada na Avenida Paulista, documentação em ordem. Nem precisaram se esgueirar pelos becos sinuosos da fronteira boliviana para chegar até aqui.
Mas, o mundo é cheio de gente maldosa, e a inveja é uma das muitas chagas que resistem a qualquer evidência de progresso. Apareceu muita gente por aí dizendo que essa riqueza é apenas pra inglês ver, pois foi uma instituição britânica que anunciou a boa nova. E o empenho em destruir as conquistas alheias é tão grande que alguns agourentos foram até buscar dados estatísticos para justificar a falta de entusiasmo. Um dos empecilhos que os negativistas apresentaram é de que essa camada da população que o IBGE chama de classe C realmente está ganhando mais, mas não conseguiu acesso àqueles benefícios que caracterizam a ascensão social, tais como curso superior, assistência médica qualificada, e até um passeio no exterior de vez em quando. Eles espalharam boatos de que os emergentes da Era Lula ganharam maior poder de consumo, e vão poder trocar a tevê de 14 polegadas por uma de 42, digital, tela LCD, mas vão continuar consultando pelo SUS, e o divertimento preferido continuará sendo a novela das 8, que aliás começa às 9, o fantástico mundo da informação inútil, e a mesma bestialidade boçal brasileira, que a cada começo de ano estupra mentes vazias e sonolentas de milhões de brasileiros.
Mas a vida clama por otimismos, e como diz a sabedoria popular, sorte tem quem acredita nela. Por isso, não convinha a ninguém estragar a euforia de um começo de ano com questões complicadas de estatísticas e avaliações morais. O melhor era fazer o que todo mundo faz nessas horas: ver apenas aquilo que interessa a seus propósitos e seguir adiante com os planos para o futuro. Segui esse princípio com dedicação de devoto e após seis semanas em Londres voltei pra casa com as expectativas satisfeitas.
O único problema é que, ao voltar pra casa, não consegui compartilhar daquele otimismo dos economistas. Creio que ainda falta um pouco mais do que renda para o brasileiro sonhar com o status de um inglês Mas essas são questões de grande importância e por demais profundas para o meu alcance, de maneira que deixo para pessoas mais preparadas se preocuparem com elas. Eu apenas gostaria que nossos governantes entendessem a diferença que existe entre ser rico e ser um pobre com dinheiro no bolso. Talvez essa não seja uma questão importante para as faculdades de Economia, mas é uma lição inevitável para quem viaja ao exterior.

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