O VOTO SAGRADO

Época de eleições, oportunidade de escolher o novo presidente da nossa combalida república. Para fazer uma escolha consciente, nada melhor do que assistir a um debate entre os candidatos ao cargo máximo da nação. Pois foi o que eu fiz. Possuído de incomum força de vontade e determinação, postei-me frente à TV para acompanhar o primeiro encontro entre os presidenciáveis, promovido pela Band. Um evento bastante instrutivo na orientação das minhas preferências políticas. Além de divertido, é claro. Mas esse último aspecto eu considero natural, pois a finalidade máxima da televisão é o entretenimento. Entreter informando, instruindo. Propósito muito louvável. Registre-se que esse colóquio inicial correu normalmente, sem se perder a seriedade. Tanto que o mais citado no certame foi Deus que, ao que parece, é o padrinho de vários postulantes ao cargo de presidente. Além do cabo Daciolo, que começou todas as falas com um “ Glória a Deus” e terminou com um “ em nome de Jesus” ainda teve quem agradecesse ao Criador por estarem ali. Todo mundo, como se pode ver, em santa comunhão. Não sei se essa história de convocar o Pai e o Filho, como fez Daciolo, não vai parecer conluio familiar, mas isso é coisa a ser decidida posteriormente pelo Supremo. O Tribunal, não o Ser, pois nem mesmo no Judiciário brasileiro alguém poderia ser réu e juiz ao mesmo tempo, no mesmo processo.

Mas não vamos divagar com futuros problemas imaginários. O importante é avaliar o desempenho dos homens e uma mulher, todos tão respeitáveis, na conquista do nosso voto. E por falar em seriedade, o Álvaro Dias me surpreendeu. De início, me pareceu que ostentava sempre um sorriso no rosto, o que me deu a ideia de um homem muito feliz, talvez por estar ali entre iguais, tecendo altos elogios a si próprio, a ponto de não conseguir responder o que lhe foi perguntado e ainda extrapolar o tempo regulamentar. Depois percebi que não se tratava disso, era apenas um enchimento no rosto que o tornava parecido com o Coringa, o arqui-inimigo do Batman. Quase decidi a votar nele quando citou tente outra vez, do Raul Seixas, meu amado ídolo dos anos setenta. Mas depois refleti que a citação era apenas um conselho a si próprio, já pensando em 2022. Fiquei em dúvida.

Quanto ao já citado Daciolo, o enviado preferido de Deus, que discursou com o mesmo tom obsessivo de um pastor em pregação do Evangelho, teve uma performance bem impactante, a começar por trazer algumas informações bombásticas. Por exemplo, descobri que no Brasil existem quatrocentos bilhões de indivíduos, somente entre os caloteiros de impostos, dado bastante espantoso se considerarmos que a população total da terra, pelos meus cálculos, não chega a oito bilhões de seres, inclusive com os honestos. Não entendi se isso foi um simples equívoco provocado pela empolgação do momento ou se ele dispõe de informações secretas, ignoradas do grande público. Afinal, como já se disse, ele tem um padrinho político muito poderoso. O que é certo é que esse número pode diminuir bastante se elegermos o Ciro Gomes, com a promessa de limpar o nome de todos os cambalacheiros do Brasil.  Foi esse mesmo aspirante à Presidência, o Daciolo, que trouxe a público uma das denúncias mais graves até então: a existência de um complô latino-americano para instaurar o comunismo na região. Mas, não há motivo de pânico. Com ele governando pela glória de Deus e em nome de Jesus isso não vai acontecer. O Brasil em breve será a primeira economia do mundo, deixando o pobre Estados Unidos e mísera China na disputa pelo segundo lugar, como se fosse uma Copa do Mundo da economia, onde o Brasil é o franco favorito, pois como se sabe, Deus é brasileiro. Também me causou grande emoção saber que a nação brasileira foi mencionada no Antigo Testamento, pelo profeta Jeremias, 29, 11. Aliás, essa história de governar com Deus tem lá suas vantagens. Já que o Todo Poderoso é onipresente Ele pode ocupar vários ministérios ao mesmo tempo, o que levaria à economia de recursos, pois nem mesmo na republiqueta das bananas brasileiras um administrador público pode acumular salários.

A grande surpresa desse prélio verbal, para mim, foi o mito Bolsonaro que, diante dos demais colegas, se manteve discreto e apagado, sem aquela arrogância espalhafatosa que costuma ostentar nas suas aparições solo. Talvez por humildade e modéstia não quisesse vencer a batalha já no primeiro golpe, e se posicionar como um dos favoritos nas pesquisas, pois é certo que uma das armas mais eficazes da sabedoria é o silêncio. E conhecimento ele já demonstrou na entrevista do Roda Viva, sobretudo no tema sobre a escravidão no Brasil.

E por falar em favorito nas pesquisas, é necessário destacar que o Lula, líder absoluto em todas pesquisas de intenção de voto, foi impedido de participar, o que, aliás, foi registrado, tanto pelo mediador Boechat quanto por Boulos, que no seu primeiro depoimento começou com um “boa noite ao presidente Lula, que deveria estar aqui”, etc, etc. É bem verdade que parece meio estranho um confronto sem o principal concorrente, ainda que alguém que já ocupou o tão almejado posto por dois mandatos, tirou milhões de pessoas da miséria, e se tornou uma referência mundial em política social, não teria muito a o que aproveitar naquele teatrinho de fantoches dos cinquenta tons de Temer. Até acho que foi por isso que eles nem esperaram o outro sair da prisão para conversar. Ressalte-se que a ausência do ex-presidente na peleja não alterou em nada sua liderança, pois ele é indicado pelo povo, de quem emana o verdadeiro poder, embora o supracitado cabo tenha opinião diversa, e já tentou até mudar a Constituição sobre esse ponto.

Quanto aos demais pretendentes à vaga a ser deixada pelo golpista atual, não há muito o que comentar. A Marina Silva, que só aparece na mídia de quatro em quatro anos, continua insistindo que o Brasil precisa de reformas importantes, e para dar bom exemplo, começou por si própria: reformou o figurino e vestiu um casquinho branco, abandonando a antiga sobriedade de beata. Mas continua com o mesmo coque e o eterno discurso generalizante e sem conteúdo do tipo “Brasil precisa de mudanças profundas”. As ditas mudanças devem ser tão profundas que nem ela mesma conhece, pois não mencionou especificamente nenhuma.  O Alckmin, certamente o responsável por muitos telespectadores desligarem a televisão e irem para a cama mais cedo, berrou impropérios contra os corruptos, sem mencionar que ele próprio também é candidato a réu na Justiça Federal, por denúncias de trambiques em obras públicas.

Ao final da refrega, a conclusão mais óbvia é de que aqueles pobres cristãos não sabem muito bem o que dizem, muito menos o que fazem ao sonharem com um título tão importante quanto o de Presidente da República, sem demonstrarem a menor qualificação para isso. Mas o meu voto é sagrado. Se esse primeiro desafio não foi suficiente para eu decidir quem terá o privilégio do meu voto, ao menos não deixou dúvidas sobre quem não o terá.

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