Desviagens

Viajar é uma experiência fascinante. Mesmo quem não viaja sabe disso. Mas há que se ter um projeto em mente para não se perder em correrias cansativas e sem sentido.

Quando eu era mais jovem, nutria uma aversão radical aos pacotes montados pelas agências de viagens. A mercantilização de tudo transformou a filosofia de explorar novas paisagens em mais um objeto de desejo da classe média, que salta de um ponto turístico a outro sem conhecer de verdade nenhum lugar. O que era para agregar valor existencial virou um produto para consumo despersonalizado. Como protesto, eu me recusava a desperdiçar meu tempo e a sola dos sapatos em atrações previsíveis, cercado por hordas de embasbacados. Por conta disso, desandei por bibocas impensáveis para os amantes do turismo de cartão postal.  Meu lema era a simplicidade, a começar pela hospedagem. Meus locais preferidos eram os albergues da juventude, onde conhecia pessoas com as mesmas propostas e que se enturmavam com facilidade. O resultado disso era um entrosamento espontâneo e uma coleção de camaradagens provisórias que nunca iam além da troca de telefones e endereços, mas alimentavam a ilusão de se ter estabelecido grandes amizades.  Se naquela época já existisse facebook eu teria feito um milhão de amigos.

Alguns percursos foram marcantes pela esquesitice. Um deles, o parque Nacional das Sete Cidades, no interior do Piauí. Na verdade, trata-se de uma área de preservação ambiental onde existem algumas formações rochosas. O maior atrativo, no entanto, é que cada uma das rochas possui a forma de um animal. Pelo menos é o que o guia local tenta convencer o ingênuo turista que aparece por lá. Eu, por exemplo, não consegui ver nenhum casco de tartaruga nem tromba de elefante em nenhuma das pedras que visitei.

Outra travessura que quase acabou em tragédia aconteceu na Serra dos Carajás, no Pará, na divisa com Maranhão. A chegada na estação do trem já foi um evento inesquecível. Quase vinte anos depois, ainda lembro com nitidez a madrugada em que fui cercado por uma chusma de nativos, cada qual a oferecer algum tipo de serviço, como carregar a mala, me conduzir ao hotel, transporte barato, etc. Não sei se por causa do pânico que a cena me causou, o fato é que passei mal e o tour de Carajás se resumiu a um dia no hotel tomando canja de galinha e dormindo.  Esqueci de dizer que era a minha fase de caminhadas ecológicas, e que viajava normalmente sozinho. Também fica claro que eram aventuras com grande dose de improviso, itinerários, muitas vezes, decididos no meio de um trajeto.

Nessa época conheci metade do Brasil, incluindo todas as capitais do nordeste. Mas as repetições costumam se tornar cansativas e entediantes. Foi o que aconteceu com o meu estilo de andar pelo mundo. Desconforto, acomodações ruins, péssimo serviço de atendimento devido a falta de infraestrutura adequada, e uma mentalidade de terceiro mundo que explora o turista e não o potencial de atrair visitantes me fizeram desistir de perambular pelo Brasil. Além do mais, com a idade, a gente gosta mais de andar acompanhado e isso implica em programar melhor as férias, discutir destinos propostos. E aí, um pouco de flexibilidade não faz mal a ninguém, o que quer dizer que outras alternativas podem não ser tão ruins assim.

Algumas tentativas depois, eu me encontrei, no último final de ano, em Cancun, no México, onde eu jamais colocaria os pés durante a fase anterior. Houve uma época, lá pelos nãos noventa, em que essa era a praia dos sonhos de dez em cada dez dos meus colegas de trabalho, motivo suficiente para me manter bem longe de lá. Imaginava a região como um grande shopping center ao ar livre, cheio de gringos comprando e comprando. Pois no final de 2013, gringos não havia, creio que por falta de espaço, pois está tudo cheio de asiáticos. Aliás, os asiáticos estão invadindo o mundo todo, pelo que sei. Também não é um grande shopping center. Na verdade, é um grande cassino. Quer dizer, todos os edifícios, principalmente os hotéis, se parecem com um cassino. A primeira desconfiança que tive é que nos anos setenta, quando a cidade foi fundada, os mafiosos de Las Vegas estavam sem opções para lavar dinheiro e passaram a construir aqueles templos do mau gosto para abrigar turistas do terceiro mundo, esses pobres deslumbrados com luzes coloridas e colunas dos mais variados estilos arquitetônicos Porque acredito que ninguém, a não ser um mafioso, seja capaz de idealizar algo tão cafona quanto os hotéis de Cancun. E para manter a tradição bem caipira, apenas a ostentação é luxuosa. Quem quiser consumir algo um pouco mais refinado deve levar de casa ou ir pra Europa. Cerveja, por exemplo, impossível tomar algo melhor do que essas águas com cevada que se encontra nos bares de calçada de qualquer povoado.

Meu primeiro impulso foi levantar acampamento e voltar pra casa. Mas, sabendo da canícula que queimava Porto Alegre, não podia sair sem dar ao menos um mergulho naquela imensidão azul-turquesa que vislumbrava pela janela do quarto. E foi no primeiro banho no mar do Caribe que aderi ao velho clichê de que em tudo há um lado positivo. E houve algumas coisas muito boas. A primeira, o melhor banho de mar que já tomei na vida. Segundo, uma descoberta que não vai mudar o rumo da minha vida, mas serve pra diminuir um pouquinho minha ignorância sobre o México. Fiquei bastante curioso ao saber que o país não só também produz vinho, coisa que eu sequer imaginava, como também foi o primeiro das Américas a desenvolver atividade vinícola. É claro que não arrisquei a provar nenhum, mas como informação sempre é um aspecto válido. Mas o mais importante foi uma postura mais flexível com relação ao que vi. Em vez de regressar correndo pra casa, resolvi encarar minha desdita até o fim e passear pelas ruas a observar as coisas. Daí, associando a estética kitsch aos dramalhões mexicanos e boleros, me veio a convicção de que deve haver alguma razão histórica ou sociológica para o México ser um país tão brega. Ninguém, incluindo um país, é o que é por vontade própria. Quando alguém está num determinado ponto é porque houve uma trajetória até ali, e entender isso é mais interessante do que colocar um rótulo disso ou daquilo. No final das contas, me consolei com a reflexão de que não importa o lugar para onde a gente vai, e sim o olhar que a gente lança sobre o mundo que está em volta.

1 Comentário

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    marcel Postado 14 de janeiro de 2014 01:43

    Também paguei o mico no Parque das sete cidades, uma tremenda volta para ver o nada. Serviu para conhecer Teresina, que tem todas as desvantagens das capitais do nordeste sem a vantagem obvia – o mar. Com ela, conheci todas as capitais daquela região do país. Agora, Cancun é cafona mas é bacana, uma Las Vegas com praia do cabine. Estou com ganas de voltar!

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