A Enfermeira

A ENFERMEIRA

                                                                             Ademir Furtado

 Eu não gosto muito de brincar aqui sozinho, mas hoje não tinha mais ninguém.  Minha mãe é que manda eu pra cá quando vai trabalhar. Agora ela foi lá pra dentro, tem um homem que é amigo dela e veio fazer injeção. É, ela faz injeção. E acho que é muito boa, a gente já morou num monte de lugar diferente, mas eles sempre acham a nossa casa. Cada vez que a gente muda de casa ela avisa o endereço novo e eles vêm sempre atrás, eles gostam muito dela. Então, quando chega alguém, eu venho brincar aqui na pracinha. Tem aquele balanço ali, aquele escorregador. Quer ver como eu subo no escorregador correndo da ponta de baixo até lá em cima?  Um dia eu caí e machuquei o braço, mas a mãe ainda não tinha terminado de trabalhar e eu não podia entrar em casa. Fiquei sentado naquele banco ali até que ela veio e me chamou, eu fui correndo porque doía, ela botou um curativo e no outro dia já tinha sarado o meu braço. Eu ainda não conheço nenhuma criança aqui da rua, por isso não tenho amiguinho pra brincar. Minha mãe, não. Ela tem bastante amigo, e eles sempre vêm onde a gente mora. Quando eu crescer vou ser enfermeiro e fazer curativo quando meu amigo ficar doente.  Mas enquanto eu sou criança não é bom olhar, então, quando chega alguém, eu tenho que brincar na rua, porque é muito ruim ver uma pessoa fazer injeção. Se o homem vem de noite, então ela manda eu ir dormir, senão eu vou ter pesadelo, ela diz. E eu acho que é verdade. Uma noite eu levantei da cama no escuro e fui espiar na porta do quarto, e devia doer mesmo porque o homem gritava, e eu voltei correndo, me deitei e tapei bem a cabeça pra não ter sonho ruim. No outro dia eu me fingi de doente, mas eu queria é que ela fizesse uma injeção em mim pra ver se doía mesmo. Então eu pedi pra ela me mostrar como é que fazia, mas ela me mandou brincar na rua e disse que ia me dar uma palmada. Minha mãe é muito bonita e cuida muito de mim, até deixa eu dormir na cama com ela, mas se eu me faço de doente e peço pra ela fazer injeção, ela fica braba e me manda pra o meu quartinho.

Quando chega alguém, eu vou brincar na rua e não incomodo. Só tem um que eu não gosto quando ele vem, ele trabalha o dia todo e só pode vir de noite. Acho que ele é muito doente porque ele fica bastante tempo, até de manhã, por isso eu tenho que dormir sozinho na minha cama. Ele chega, minha mãe até serve um café pra ele, aí eu já sei que tenho que ir pro meu quarto, então eu deito e tapo a cabeça pra dormir, mas nunca consigo pegar no sono porque eu não gosto dele e fico com raiva.

Mas por que a senhora quer falar com ela? A senhora é amiga da dona Leocádia, a vizinha lá da outra casa? A dona Leocádia é uma velha muito chata e muito ruim, que brigava muito com a minha mãe lá no edifício que a gente morava. Sabe o que ela dizia?  Que a minha mãe era uma mentirosa, que tava mentindo pra mim, que o homem é que fazia injeção na minha mãe, e que um dia um homem daqueles ia ficar brabo e bater em mim. Daí ela dizia que a minha mãe era uma sem-vergonha, e que não podia mais atender ninguém em casa, que ela ia contar pra polícia e a minha mãe ia ver só. Mas era tudo mentira dela, minha mãe nunca ficou doente. Só que aí a gente teve que se mudar de lá. Eu moro ali naquela casinha de madeira. É bem pequena, mas mora só eu e a minha mãe. Faz pouco tempo que a gente se mudou. Meu pai nunca morou com a gente.  Quando eu era um nenezinho ele arrumou um emprego muito longe e foi morar noutra cidade, daí eu nunca conheci ele, mas ela disse que eu sou muito parecido com meu pai, e quando eu crescer eu vou ir trabalhar com ele.  No ano passado ela fez um curso de enfermeira que dá injeção, lá no centro. De noite ela ia pra aula e eu ficava com a minha vó, que era mãe dela, e ela chegava bem tarde, depois que eu já tinha dormido, acho que é porque a aula era muito difícil.  Mas minha vó morreu e não tinha mais quem cuidasse de mim de noite, então minha mãe parou de estudar e ficou sempre em casa. Aí ela botou um anúncio no jornal pra quem quisesse fazer injeção era só ligar pra ela. Por isso que sempre vem um homem aqui. Mas quando eu ficar grande ela vai trabalhar no hospital, que lá vai bastante gente.

Na semana que vem eu vou pra escolinha, e vou morar sempre lá, até eu poder ficar em casa sozinho. E a minha mãe vai me visitar o dia que ela quiser. E quando eu sair de lá, vou trabalhar bastante pra ajudar minha mãe, e ela não vai precisar mais fazer injeção porque ela diz que dói muito. Mas até lá eu vou ficar sempre na escolinha. Minha mãe já falou com a professora. A senhora é professora da escolinha? Quando a minha vó era viva e ficava comigo de noite ela me mostrava um livro com figura de bicho e uma letra que imitava o bicho da figura, e eu aprendia a ler, já sabia o A, o M, mas depois que ela morreu eu não aprendi mais. É a senhora que vai me levar? É naquela Kombi que a senhora veio? Eu nunca andei de kombi. Minha mãe falou que o meu pai tem um carro bem grande e bem bonito, mas eu nunca vi. Se a senhora quiser, eu vou lá chamar ela, eu chego ali na porta e digo que tem uma mulher que quer falar com ela. Pode esperar aqui que eu vou correndo e já volto.  Olha lá a minha mãe, já parou de trabalhar, agora já pode falar com ela.

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