Vira-lata X pedigree

Alô amigos da rede virtual. Estamos aqui para falar do assunto do momento. Copa do mundo. Mas antes de tudo, preciso dizer que sou leigo em futebol, por isso vou contar com o apoio do leitor para o caso de dar alguma bola fora. Não entendo nada do esporte mais popular do planeta, e naqueles assuntos masculinos onde os integrantes fingem fúria e ameaçam se bater em nome do time preferido, eu sempre fico na reserva, assistindo meio entediado, com vontade invadir a grande área e chutar pra escanteio.  

Mas, durante trinta dias a cada quatro anos, eu me transformo num amante incondicional da bola, e sob qualquer circunstância torço pela seleção brasileira. Nunca compartilhei dessas associações mirabolantes entre o time canarinho e as faltas dos políticos e governantes, e não vejo o mínimo de bom senso em querer que uns paguem pelos outros. Creio que essa transferência de responsabilidade é apenas um disfarce para encobrir o verdadeiro sentimento, aquele que não pode ser dito nem no momento de mais profunda introspecção: o desprezo que uma parcela dos brasileiros sente pelo Brasil.

Como não sou craque em explicações psico-sociológicas, recorro ao velho Nelson Rodrigues e seu clássico diagnóstico sobre o nunca curado complexo de vira-lata, que lesionou uma parte da população brasileira há muito tempo. Não costumo apitar em assunto que não domino, mas, assim como todo brasileiro é um técnico em potencial, vou arriscar um chute de longa distância. Creio que quando um indivíduo se sente inferior, ele tende a diminuir tudo aquilo em que projeta sua própria imagem. Assim, num evento de dimensões mundiais, o Brasil será sempre aquele vira-lata rodrigueano, incapaz de conquistar uma boa posição entre os concorrentes de raça nobre.  E por medo de mais uma frustração, para não apostar em algo que já acredita perdido, ele torce contra.

Deixemos os pessimistas abandonados aos seus traumas e vamos integrar essa corrente pra frente dos que acreditam que o Brasil ainda pode se orgulhar de alguma coisa. Afinal, nossos atletas já entraram em campo com garra e determinação, e mesmo com um lance, digamos assim duvidoso, a estreia foi uma vitória inquestionável.  É certo que a segunda tentativa ficou aquém do que todos queriam, mas desconfio também que essa necessidade de ganhar sempre é consequência da ansiedade de quem precisa de aprovação absoluta em tudo o que faz.

Nossas cidades, tão provincianas, tão carentes do cosmopolitismo das grandes metrópoles mundiais, vivem um raro momento de euforia. Quando teremos novamente um desfile de beldades como as holandesas e australianas pelas ruas tão pacatas desta província? No caso de Porto Alegre, sem os atrativos das praias que fascinam os turistas estrangeiros, e com um carnaval que não ultrapassa os limites da aldeia local, só mesmo um evento de dimensões planetárias para colocar nossa comunidade na rota de circulação de todos os povos.

De minha parte, o legado mais importante que eu esperaria da Copa não é econômico. Minha maior expectativa é de natureza cultural. Ou mental. Ou ainda, espiritual, para os espiritualistas. É abrir os olhos para enxergar que contatos com outras culturas, outros povos, resultam em novas concepções de mundo, e transpor as fronteiras da nossa vila é uma extraordinária alternativa para sair da casmurrice. Atestado de genealogia não acrescenta nada a quem não consegue se livrar da própria coleira. Um bom pedigree só é demonstrado na disposição de enfrentar qualquer adversário e, com a competição, aprimorar um pouco mais a própria capacidade. Mesmo que isso signifique apenas aprender a gostar de futebol.

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