REVIVENDO LONDRES 3 – Um país que anda

Coisa que não me parece muito inteligente é fazer comparações entre países ou culturas. Seguindo a teoria de Michel Onfray, pode-se dizer que essa é uma atitude típica de turista, gente que avalia um pelas medidas do outro, e não consegue se livrar de uma visão de hierarquia, própria de mentalidades maniqueístas. O viajante vive a estranheza do outro. Creio que os grupos humanos se organizam de acordo com suas demandas e virtudes, que são, por sua vez, determinadas por uma série de fatores intrínsecos.
No entanto, algumas diferenças são por demais gritantes porque dependem das escolhas das prioridades na gerência dos assuntos públicos. E aí, encontramos os questionamentos sobre o bem comum social, polêmica que ocupa os pensadores desde tempos antigos.
E, em se tratando de bem comum, se há algo de que os ingleses podem se orgulhar, pelo menos em relação aos brasileiros, é o transporte público. Andar de ônibus em Londres pode não ser o passeio ideal para quem quer uma visita rápida, mas certamente não é o suplício que se vive nas cidades brasileiras. Veículos em bom estado de uso, conduzidos com a delicadeza e o respeito de quem sabe que está carregando seres humanos. E com a frequência e rigor de deixar com inveja alguém que costuma esperar até quarenta minutos numa para de ônibus no Brasil. Nem falo do metrô, por ser um transporte que não utilizo no meu cotidiano brasileiro. Diria apenas que é um sistema de transporte realmente coletivo, pois é usado por pessoas de todos os estratos sociais. Ainda que a foto do Primeiro Ministro britânico lendo um jornal de pé num vagão de metrô tenha sito uma jogada de marketing, o fato é que lá o transporte público não é um demonstrativo de status social como no Brasil. Mas, como já disse, o metrô não vem ao caso. Limito-me à certeza que se tem de saber quanto tempo esperar o ônibus numa parada. Como aconteceu num domingo, quando decidi aproveitar uma rara manhã de sol e passear num parque, acompanhado de um colega. Algumas linhas não funcionam nos fins de semana, e estávamos em dúvida, por não entender bem os códigos dos cartazes com informações sobre os horários. Então, meu colega sacou do bolso uma daquelas fantásticas engenhocas tudo-em-um, digitou meia dúzia de teclas e enunciou triunfante: “falta 1 minuto”. E foi só o tempo de guardar a maquininha de volta e o ônibus apareceu na outra quadra. Desse nível de eficiência resulta um trânsito civilizado, que flui continuamente, com poucas ocorrências de engarrafamentos. É um país que anda.
Numa hora dessas, mesmo correndo o risco de parecer superficial, é difícil abster-se de comparar. Ou, por outro lado, é bom exercício mental avaliar os critérios definidores das premências em nosso país. Quando se percebe que a medida de bem estar de um povo é o seu poder de consumo, é sinal de que alguma coisa está errada. Só mesmo uma mente distorcida poderia desconsiderar a primazia do transporte público e promover incentivo para compra de carros que vão ficar trancados no congestionamento, ou andar sacolejando em estradas cheias de buracos. .
Seria bem proveitoso, para o bem estar do povo brasileiro, se os nossos governantes mudassem o foco em suas concepções e entendessem que a riqueza de um país não é medida pelo número de carros que cada família tem na garagem, e sim, pela qualidade dos serviços e bens públicos que o povo tem para usufruir.

1 Comentário

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    Eduardo Postado 3 de setembro de 2013 08:30

    Tu não deixas de ter razão, em muitos aspectos. A questão – que eu vejo – é a de como conciliar a ideia de “mais e melhores serviços públicos” (à qual sou favorável) com a necessidade de “enxugamento da máquina do estado”, que muitos propõem, especialmente diante do aumento da dívida pública, da multiplicação de órgãos, ministérios e cc’s, etc. E isso passa longe de ser um debate meramente acadêmico, ou retórico, pois as eleições já vêm aí e – salvo engano – uma das escolhas que teremos que fazer é justamente esta, não esquecendo que o “déficit zero” já foi uma bandeira, por aqui.

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