Revivendo Londres 2 – A Pátria dos Expatriados

Uma das coisas mais fascinantes numa viagem é a urgência que o viajante tem de se livrar dos referenciais do cotidiano, e se reestruturar num espaço diferente. É uma maneira de avaliar os aspectos de caráter que são realmente importantes, e os que deveriam ser abandonados ou, pelos menos, revisados. Nesse processo, o indivíduo pode descobrir novas perspectivas, ou desenvolver aptidões que ficaram adormecidas ao longo de sua formação. Como a sociabilidade, por exemplo. Eis um talento que muitos seres humanos não cultivam porque não precisam dele. Mas, ser sociável em terras alheias, onde não se conhece ninguém e não se domina o idioma local, é uma estratégia necessária para se merecer a simpatia dos outros.
Pois uma coisa que notei em Londres, de parte dos forasteiros, foi uma receptividade que me surpreendeu. Minha passagem anterior pela Europa foi na Alemanha, em 1994, um país em processo de reunificação pós-muro, que se mostrou muito carente dessa virtude de acolhimento do outro. Mesmo para mim, em quem os antepassados alemães deixaram uma marca inconfundível, e que cheguei lá com um conhecimento razoável de alemão. Mas, na Alemanha, os visitantes sempre foram vistos com muita desconfiança, quando não com aversão explícita.
Em Londres, parece que os estrangeiros vivem num estado de espírito mais tranquilo, o que os torna mais simpáticos. É claro que se trata de impressões de alguém que andou a passeio, por pouco tempo, e não estava disputando espaço com ninguém. O importante é que a sensação foi boa. Não havia, no astral londrino, aquele nervosismo vivido na Alemanha nos momentos em que a comunicação se tornava difícil. Bastava me declarar como alguém vindo de longe que a curiosidade era imediata. E por incrível que pareça, eles, em geral, gostam do Brasil, o que me dava um pouco de crédito para um bate-papo. Como no caso do garçom que, ao perceber meu inglês forçado, quis saber de onde eu vinha. Era um português, e não precisou mais nada para desandar a falar de si. Casado com uma brasileira, tinha morado em São Paulo e exibia um inconfundível sotaque paulistano. Ou ainda, o barbeiro libanês, o único que encontrei numa manhã de domingo. Foi só saber da minha origem, e se pôs a falar de futebol e carnaval, provavelmente as únicas coisas que conhecia do Brasil. No final, nos despedimos com abraços, e saí com a promessa de retornar em duas semanas, que é o tempo que minha barba leva para me deixar com cara de homeless.
Uma das hipóteses que me ocorreram é que a condição de imigrante deixa as pessoas mais tolerantes e receptivas. Como se fosse uma necessidade de encontrar o outro numa confraria de exilados. Naturalmente que os ingleses nativos estão longe de parecerem antipáticos. Pelo menos aqueles com quem tive algum contato. Daí, eu fiquei divagando a respeito do sentimento deles sobre o lugar que ocupam na cidade. Considerando-se a multidão exótica que perambula pelas ruas, não seria de estranhar que os autênticos londrinos se sintam expatriados. Ou talvez, em tempos de globalização, o conceito de pátria precise de uma revisão. Um caminho que parece viável é que as fronteiras não sejam mais geográficas e sim espirituais, definidas apenas por esse desejo de ir ao encontro do outro.

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