REVIVENDO LONDRES 1 –  Senso de Localização

Em maio de 2013, finalmente, fui para Londres. Uma viagem por algum tempo planejada, e várias vezes adiada. Como tenho aversão a roteiros turísticos, resolvi me lançar numa aventura de imersão cultural, e entrei num curso, para aprimorar o inglês e ter oportunidade de viver experiências mais gratificantes do que o deslumbramento de turista. Gastei os primeiros cinco dias numa espécie de reconhecimento do local, com saídas a pouca distância além do percurso da escola. Só no próximo fim de semana é que me propus ver alguns dos pontos que atraem milhões de pessoas do mundo inteiro para a capital inglesa. Logo na estação de metrô escolhida para começar o passeio, vi um relógio grande, fixado lá no alto da parede de um prédio antigo. E lá embaixo, milhares de seres embasbacados, com suas câmeras fotográficas apontadas, ou em poses de gargarejo. Era o tal Big Bem. Não estava preocupado em saber as horas, avancei o passo, atravessei uma ponte e, numa das margens do Tâmisa, dei de cara com uma roda gigante que tem, no lugar das tradicionais cadeirinhas, umas cabines parecidas com elevador panorâmico. Era o London Eye. A vista lá de cima, avaliei, até devia ser legal, mas só de pensar em permanecer naquela imensa fila que reproduz a torre de babel, onde se fala todos os idiomas do planeta, já me senti cansado. Melhor mesmo seria entrar num pub, tomar uma cerveja, e ir pra casa dormir. Mas segui adiante. E não demorou muito, alcancei outra das dezenas de pontes que ornamentam a cidade. Uma de cartão postal, a Tower Bridge. Essa até que merecia uma foto, e prometi a mim mesmo voltar outra vez com equipamento.
A diferença entre turista e viajante estabelecida por Michel Onfray, conhecida até então só na teoria, adquiriu logo a forma de conhecimento empírico. Segundo esse autor, no livro Teoria da Viagem, o viajante é aquele que se propõe a um contato mais profundo com a cultura do país de destino. O turista apenas tira fotos. Não tenho a menor dúvida de que não sou, e acho que jamais serei, um turista típico. Minha incapacidade de deslumbramento chega a ser patológica. E a Canon que levei para registrar algum fato memorável esperou paciente numa gaveta até chegar o momento de ir pra rua.
Mas o que me marcou mais profundamente a consciência nesse começo de jornada londrina foi a constatação do meu senso de localização. Ou, melhor dizendo, as ferramentas que andei usando para me orientar em Londres. Ou talvez, no mundo. Ainda sou do tempo em que, ao chegar numa metrópole estranha, a providência mais urgente era comprar um mapa e passar horas a fio estudando os monumentos mais importantes. E fiquei meio surpreso ao perceber que esse comportamento parecia bizarro aos colegas de curso, todos eles munidos de todos os tipos de aparelhos, com as mais incríveis versões de bússolas eletrônicas: GPS, mapa do metrô de Londres, mapa de rua, tudo na palma da mão, acessado com um clic. Maquininhas excêntricas demais para mim, que não uso sequer um celular. Aliás, a pergunta fatalmente ouvida ao confessar esse anacronismo era “how can you live?”, sempre acompanhada de uma cara de espanto. Ninguém mais precisa pedir informação na rua, ninguém mais se perde. Quer dizer, ninguém a não ser eu, é claro, pois na primeira viagem sozinho, peguei o trem errado e fui parar não sei onde. Mas aí, usei a única ferramenta que sei usar, pedi informação a um oficial da estação, que me ajudou com a presteza britânica, e voltei pra casa em paz e a tempo de pegar a janta.
No final das contas a gente sempre se acha, consegue encontrar o rumo e chegar aonde quer. Mas fica uma sensação de deslocamento, de andar sozinho. E uma suspeita de estar usando os instrumentos inadequados para se situar no mundo. A excursão durou um mês e meio, o que me rendeu numa melhorada no inglês e muitas caminhadas, com muitos lugares para ir. Mas ao completar uma semana já desconfiei que precisava desenvolver métodos mais modernos de localização. .

1 Comentário

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    Cláudia Postado 21 de agosto de 2013 17:33

    Linda a foto, ótimo o texto. Aguardando pelo próximo… Abraços.

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