Política da amizade

 

Durante a campanha eleitoral circulou pelo facebook uma série de alertas com intenções aparentemente sublimes. Havia alguma variação na redação, mas o conteúdo era sempre o mesmo: não deixe a política estragar suas amizades.

Não sei se por pessimismo; se por alguma maldade congênita mal dissimulada; ou pura propensão ao cinismo, o fato é que sempre desconfio das boas intenções. Ainda mais quando elas se propõem a defender aquelas abstrações que o senso comum valoriza tanto. Pois a riqueza suprema da humanidade a ser resgatada nesse grito vigilante era a amizade.

Não seria eu a protestar contra a manutenção de tão nobre sentimento, mas pediria que a alma caridosa, autora desse apelo, que investigasse um pouco mais a fundo a natureza dessa inclinação que une as criaturas nesse vale de lágrimas e solidão que é o mundo. Pois todo ser pensante sabe que o senso comum é por excelência conservador e moralista, e costuma se manter na superfície das coisas, sobretudo quando o assunto é valores morais. O conforto da superfície traz o risco do autor se perder em abstrações entediantes.

Tenho cá pra mim que amizade é uma espécie de convivência que persiste por afinidades, convergência de interesses e algumas disposições comuns de superar conflitos. Visto que não há uma sociedade onde se possa viver sem conflitos de interesses, pode-se dizer que o verdadeiro amigo não é aquele que não briga, mas aquele que consegue superar uma dificuldade mantendo o ânimo de continuar uma parceria. É claro que isso vale também para o casal, pelo menos para aquelas pessoas que, como eu, não acreditam muito nas fantasias do amor romântico. Mas vamos ficar só entre amigos!

Falei de conflitos e lembrei de outra lição que aprendi na vida. Essa não foi fruto de abstrações generalizantes, nem de divagações sentimentalistas. Não! Foi uma lição aprendida nas tramas concretas da vida e se transformou numa sentença a qual recorro sempre que necessário: “a gente só conhece bem uma pessoa depois que briga com ela”. Quem tiver dúvida dessa máxima, não conheceu realmente ninguém. Brigar, aqui, não significa sair no tapa, puxar os cabelos, mas contrariar a pessoa em algo que seja muito importante para ela. Pois é aí que se manifesta o verdadeiro caráter de um indivíduo. Caráter não no sentido moral, mas como traços psicológicos e emocionais e que definem a capacidade e disposição de um ser humano de contornar os conflitos de maneira civilizada. E é pelas atitudes de uma pessoa em relação a mim que eu vou saber se vale a pena investir numa amizade mais próxima ou manter a pessoa naquela qualidade de amigo do facebook.

E que outro momento para fazer um teste de rivalidades do que uma campanha eleitoral? Sabe-se que no pleito de 2014 pessoas deixaram de se falar, e a experiência mostra que, em alguns casos, esse rompimento é passageiro. Eu mesmo fui abandonado no facebook, provavelmente por causa de uma militância declarada e intensa a favor de uma das candidaturas. Assim como fiz uma reavaliação em alguns convites de amizade antes aceitos. Mas não considero que isso signifique uma perda de amigos. Para mim, isso significa apenas que essas pessoas não estão preparadas para me ajudar a superar algum obstáculo nessa nossa tentativa incessante de sair do isolamento e nos aproximar uns dos outros.

Em compensação, em outros casos descobri afinidades nem suspeitadas anteriormente. Assim como muita sinceridade de deixar bem claro de que lado está em relação aos problemas que afligem o nosso pobre país. E considerando que toda e qualquer ação em meio social é uma atividade política, a amizade, aquele sentimento de solidariedade que nos aproxima de outros seres humanos, é uma ação altamente politizada. Portanto, a boa política, aquela do sentido clássico de ação em sociedade, só pode trazer bons amigos, nunca afastá-los.

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