Pausa para pontuação

Quando assumi a pretensão de me tornar um escritor sério, deparei-me com um imprevisto: a necessidade de retomar lições de gramática lá do primário. Mais ainda ao decidir espalhar minha produção pelo universo virtual, pois não queria cair no vale-tudo gramatical da literatice que pulula na internet. Creio que o suporte usado para publicação de um texto não deve ser desculpa para relaxamentos. Além do mais, o domínio das estruturas de funcionamento da língua é um fator importante para a exploração dos recursos expressivos.
A matéria em que me sentia mais deficiente era a pontuação. E eis que na sessão de autógrafo do meu livro, o professor José Hildebrando Dacanal proporcionou-me a alegria de dois presentes: compareceu à minha estreia de escritor, e depositou em minhas mãos um pacote cheio de livros de sua autoria. Para evitar postura de mal-agradecido, não mencionei que alguns daqueles volumes já existiam na minha biblioteca, devidamente lidos. Mas, havia um que eu só conhecia de título: Manual de Pontuação: teoria e prática. Justamente o que eu mais precisava. Um livrinho que se tornou um verdadeiro manual de consultas para elaboração de qualquer trabalho escrito. Lá estão algumas das características mais marcantes da verve do professor Dacanal. A par da inteligência e seriedade na maneira de abordar seus temas, ele não abre mão de suas tiradas irônicas, sua irreverência debochada diante de todo falso conhecimento disseminado nos livros didáticos.
Nesse Manual de Pontuação: teoria e prática, colhemos a lição mais importante do tema, a que ensina que a pontuação é um recurso técnico para delimitar as unidades sintático-semânticas, e está ligado essencialmente ao texto escrito, e não relacionado à língua enquanto habilidade humana de comunicação.
É nesse item que a ironia tão característica do mestre Dacanal volta-se contra as gramáticas tradicionais. Esses compêndios, tão utilizados na formação básica, ainda propagam a balela da pausa para respirar e da entonação. Por incrível que pareça, essa tagarelice é encontrada até em obras assinadas por figuras ilustres do ensino do nosso idioma. De fato, nas minhas primeiras tentativas de retomar as lições primárias, encontrei-me em apuros devido a essas orientações escolares, pois me pus a imaginar as várias possibilidades de um falante dar sua mensagem. É evidente que a entonação depende muito do estado emocional. O discurso de uma pessoa ansiosa, por exemplo, seria muito diferente de uma sonolenta. Outro aspecto importante é que pausa para respirar e entonação dependem muito do leitor, o que tornaria qualquer regra uma divagação sem sentido. Uma pessoa que está lendo na cama antes de pegar no sono terá um ritmo diferente de quem lê uma carta de exoneração do cargo. Daí, pensei que seria mais coerente que os gramáticos tradicionais dessem a seus livros títulos desse tipo: Pontuação para quem quer ler na cama antes de dormir; Pontuação para pessoas nervosas. E no caso dos sinais que definem a entonação, seria recomendável uma pontuação para chefes e outra para funcionários submissos ou pessoas tímidas. Sem falar nas necessidades especiais dos portadores de transtornos da fala, mais conhecidos como gagos.
Em resumo, o melhor mesmo é dominar a língua em que se escreve e ter em mente que o texto escrito não é uma mera transcrição da fala. É um encadeamento de ideias que precisa ser claro para atingir os objetivos do autor de comunicar uma ideia. Chegando aqui, aprendemos mais uma lição do mestre Dacanal: a habilidade de escrever está intimamente relacionada à capacidade de pensar. Só faz uma exposição textual inteligível quem sabe claramente o que quer dizer.
No que me diz respeito, já tenho a teoria aprendida nas palavras do mestre. Agora é caprichar no estudo e seguir atento na prática. De resto, é concentrar-me na especulação de algo que mereça ser dito, algo de que alguém tire algum proveito. Do contrário, melhor decorar as regras de pontuação das gramáticas, afinal, não servem pra nada mesmo.

1 Comentário

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    Frederico Postado 25 de novembro de 2013 12:28

    Este problema é de todos os que não se consideram sábios e prontos (os presunçosos). Ótima matéria. Forte abraço.

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