O bom senso é o meu país

Uma coisa que me fascina muito é observar o ser humano, pra ver até onde ele é capaz de ir. Há quem chame esse nosso mundo de vale de lágrimas, mas eu discordo. Pra mim, a vida nesse nosso planeta é repleta de motivos de riso. E não falo de sorriso de felicidade serena, é gargalhada mesmo, daquelas desbragadas que provocam dor no músculo do diafragma. Tal é o circo em que os filhos de Adão de Eva transformaram um projeto de criação tão bem idealizado pelo criador. Cada qual quer ser o palhaço mais eficiente, apresentar o número burlesco mais cômico.

Pois nos últimos dias, um antigo circo, que andava meio desativado, remontou o picadeiro e, ao que parece, com vontade recuperar o tempo de descanso. Trata-se, na verdade, de um número farsesco bem antigo, mas que volta e meia é reencenado, porque sempre há plateias saudosas de alguma patacoada contada pelos avós. Chama-se separatismo. É a encenação mais engraçada que eu já vi de uma caricatura de rebeldia. A primeira vez que essa folgança apareceu Rio Grande foi ainda no século XIX, quando alguns coronéis, entediados com as solidões dos campos sem fim, se reuniram e combinaram de brincar de guerra. Como eram todos compadres, escolheram o governo central como inimigo. Surgiu assim a pegadinha de separar o Rio Grande do Sul do resto do Brasil. Na época, ainda não havia soldadinho de chumbo, então eles chamaram os escravos das estâncias, que faziam de conta que eram seus companheiros de lida no campo, e enfiaram os miseráveis na frente de batalha, enquanto eles tomavam chimarrão embaixo de alguma figueira. Gastaram dez anos nesse passatempo, até que o imperador se sentiu incomodado pelo barulho que não deixava Sua Majestade dormir sossegado, chamou um duque e mandou encerrar a fuzarca.

Se é verdade aquele papo de que a história se repete sempre como farsa, imagine-se quando a primeira vez já é uma pantalonada. Pois é o que temos agora na apresentação de uma trupe que se chama O sul é o meu país. A diferença dessa para as ocorrências anteriores, é que agora a equipe de bufões é composta por gente dos três estados do sul, o que confirma uma suspeita que tenho de que a sandice é contagiosa e se espalha mais rápido que o vírus da dengue. Pois a presepada, dessa vez, quer separar os estados do sul e criar uma nação independente.

Ainda não sei detalhes do projeto, se é que existe algo mais do que alguns devaneios, mas suponho que a capital da nova república será Porto Alegre, afinal de contas, é aqui que estão as grandes maravilhas do mundo moderno, como o pôr do sol do Guaíba, o mais lindo do mundo; o acampamento farroupilha; a estátua do laçador, que mesmo segurando uma prancha de surf é inigualável, e prá fechar o elenco de pontos turísticos dignos de veneração, a maior feira do livro a céu aberto da América Latina. E ainda temos uma língua nativa que só nós entendemos, o gauchês. Já de início fica resolvido o conflito linguístico entre tu e você porque é certo que vamos rejeitar um pronome usado lá no Brasil. Não queremos nada do Brasil, nem você.

Mas, pensando por outro lado, essa é uma travessura que pode acabar mal. É que muita gente não tem esse espírito galhofeiro e quer levar ao pé da letra qualquer atividade, por mais lúdica que seja.  Daí que sempre existe o risco de aparecer alguém que tome como verdade o que é uma distração inocente e já começa a agir como se fosse um rebelde de verdade. Não é que eu queira reprimir a molecagem, mas já pensou, se separa mesmo? Alguns problemas são bem previsíveis. Por exemplo, viveremos aqui uma Suíça, uma Suécia sul-americana, então não teremos mais motivos pra protesto nem sofrimento, e aí, como é que vamos evoluir espiritualmente? Como se sabe, é superando os obstáculos que um povo reforça seu valor, e nós aqui viveremos num paraíso, nesta querência amada, que só não foi mais abençoada por Deus por causa da arrogância dos brasileiros. Mas o maior problema seria o isolamento intelectual. Como aqui no país do sul ficariam só os cérebros privilegiados pela natureza, não haveria motivo para troca de ideias, o que pode tornar a vida meio monótona, e levar um sulista a sentir nostalgia dos tempos em que havia problemas a resolver. Por tudo isso, acho que seria legal inventar uma recreação nova, outra que consista numa competição mais leve, sem perigo de machucar ninguém. Se não alimenta o desejo de parecer revoltado, pelo menos mantem o bom senso.

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