Manifesto do sambista doido

Um espectro ronda o Brasil – o espectro do cabotinismo. Todas as impotências da velha oligarquia brasileira, que nunca aceitou dividir o poder com outros grupos, se unem agora para conjurá-lo. E neste país, onde a história acontece como farsa desde a primeira vez, e os momentos mais dramáticos ou viram pizza ou enredo de escola de samba, a situação está mais caótica que no tempo do crioulo doido, e até um samba está difícil de fazer. Fosse o velho Stanislaw ainda vivo, certamente teria material de sobra para uma nova edição de seu genial FEBEAPA – Festival de Besteiras que Assola o País. Mas aquele sambista que se perdeu nos meandros dos fatos históricos estaria hoje mais alucinado do que antes, pois a realidade brasileira se tornou refratária a qualquer tentativa de racionalidade. Uma verdadeira loucura.  Imagine-se o desespero daquele pobre crioulo criado por Stanislaw Ponte Preta, ou Sergio Porto, ao se deparar com as bizarrices dos dias de hoje: um pedante que frequentou um curso de filosofia e acha que isso já é suficiente para se considerar um filósofo, mesmo sem ter ponderado que o que torna um homem sábio não é um curso acadêmico e sim a capacidade de refletir sobre temas que afligem a natureza humana; um adolescente com evidentes dificuldades de compreensão da realidade brasileira se torna líder intelectual de um movimento que prega a liberdade de falar besteira sem ser molestado.

É possível que uma releitura do antigo samba do crioulo doido hoje fizesse muito sucesso, visto que a vida cotidiana das altas esferas brasileira descambou para uma barafunda digna dos enredos carnavalescos. Só para citar alguns exemplos: os políticos mais corruptos do país, acossados por denúncias de propinas na casa dos milhões, são os líderes do movimento para derrubar a presidente, tendo como pretexto, – acreditem, – a corrupção.  Justamente a presidente que mais criou instrumentos jurídicos para combater a corrupção. E o mais doido de tudo isso é que uma multidão de autodenominados revoltados com a roubalheira vai para as ruas gritar e dançar, numa coreografia previamente ensaiada, aprendida na internet, para colaborar nos protestos que se dizem contra a corrupção. E quem encabeça a quartelada no âmbito oficial é justamente o homem mais acusado de ter surrupiado os cofres públicos para abastecer a própria família na Suíça. Explicando melhor, os insurretos vão para as ruas apoiar os corruptos para derrubar a presidente que combate a corrupção. E tudo isso por estarem indignados com a corrupção. Não com todo o tipo, é claro. Por exemplo, os pimpolhos das escolas paulistas, que ficaram sem merenda por causa de fraude, não ouviram batidas de panelas contra os pilantras da administração pública que desviaram o lanche dos estudantes. E não se pode esquecer nessa zoeira toda a turma que reivindica a volta de uma ditadura militar para salvar…a Democracia. Não é mesmo de endoidecer qualquer criatura, seja ou não sambista?

Não se poderia deixar de fora a contribuição cultural trazida por alguns protagonistas nos eventos recentes da nossa pátria, tendo em vista que o Brasil conta na sua população com um alto nível de analfabetismo funcional. Não esquecer, por exemplo, a moção contra a Simone de Beauvoir, feita pela câmara de vereadores de uma cidade paulista. E para arrematar o samba, a mais nova contribuição ao clima de doideira geral, vinda obviamente de São Paulo, estado com elevado índice de amotinados no facebook, o velho filósofo Hegel viajou no tempo e fez parceria com Karl Marx, jogando pra escanteio o pobre do Engels, que tanto esforço fez para se manifestar contra a burrice alheia no seu tempo.

Com essa confusão toda, ninguém entende mais nada, o que é ficção ou realidade, e aquelas poucas pessoas que querem realmente trabalhar pelo bem do país se sentem atrapalhadas. Por isso, no meio de tanta balbúrdia, aquele pobre sambista endoidecido desistiu de vez de cantar a história do Brasil e lançou um brado heroico e retumbante, cheio de orgulho patriótico: atrapalhadores de todos os estados do Brasil, sumi-vos!

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