Gauchismo inventado

Imagem de Ilustração: Carla Santos

No livro A Invenção das Tradições, uma coletânea de textos organizada por Eric Hobsbawn e Terence Ranger, há uma distinção entre tradição e costume. Os Costumes são as práticas e hábitos que caracterizam um agrupamento de indivíduos ao longo do tempo. Normalmente, têm forte ligação com o passado, mas não são imutáveis. Ao contrário, apresentam um certo nível de maleabilidade, adaptando-se a novos tempos, podendo acompanhar as transformações sociais. A tradição é a formalização desses costumes, e apresenta-se, via de regra, na vestimenta, gestos, palavras associadas eles. A característica mais marcante da tradição é a imutabilidade, e tem por função fixar os costumes ameaçados por mudanças inevitáveis nos padrões de comportamento. Tem, portanto, um caráter essencialmente conservador.
Nas sociedades mais antigas, ou com pouca mobilidade social, os dois conceitos se encontram com facilidade, e não há grandes conflitos. Os problemas aparecem quando uma comunidade tem pouco tempo de história, ou quando foi surpreendida por convulsões repentinas, resultado de movimentos sociais. Em casos semelhantes, os costumes, ou não existem, ou evoluíram, em sintonia com as novas mentalidades. Para dar uma roupagem histórica ao novo arranjo, recorre-se à tradição inventada. Ela tem por função criar um passado para fundar uma identidade. A esse passado, são atribuídos vários elementos formais a serem repetidos ritualisticamente através de palavras, gestos, roupas, canções…
A leitura desse livro seria bem proveitosa neste momento, quando, aqui no Rio Grande do Sul, se faz uma comemoração que nenhum historiador sério seria capaz de apoiar: a do vinte de Setembro, data da chamada Revolução Farroupilha. O despropósito do evento tem pelo menos duas justificativas. Em primeiro lugar, a pretensa revolução não passou de uma revolta de estancieiros em protesto contra os impostos do charque; e segundo, o final não foi tão glorioso assim a ponto de endossar fanfarronadas de heroísmos e valentias.
Não sei se a gauchada tradicionalista costuma ler algo além das cartilhas de catequese do Barbosa Lessa e dos picholeios de Antônio Augusto Fagundes, mas, não querer ouvir o que as pessoas letradas falam parece ser muito mais estreitamento de horizontes do que o propalado amor pela terra.
Evidente que, em tais situações, é inútil qualquer argumentação racional, ainda mais com fundamento histórico. As preferências pessoais assumem tal nível de obsessão passional que qualquer tentativa de recurso à razão se torna ineficaz. No Rio Grande do Sul, é próprio de um gaudério ataviar-se com uma pilcha na semana farroupilha com o mesmo entusiasmo com que veste uma camiseta do Grêmio ou do Internacional em dia de gre-nal; frequentar o CTG como se estivesse num templo a orar pelos deuses de sua crença. É sua maneira de mostrar valor e constância nessa ímpia e injusta concepção de identidade.
Não vejo nenhum problema em um homem vestir uma bombacha, uma moça se enfeitar de prenda, ir ao Acampamento Farroupilha comer churrasco e encontrar amigos; dançar num centro de tradições, se divertir, enfim. Mas, repetir a incansável e gasta arenga de que, com essas travessuras, está cultuando um passado, é algo que extrapola os limites do divertimento.
O habitante natural do Rio Grande do Sul tem essa estranha mania de levar a querência amada no peito e espalhar seus apetrechos para brincar de gaúcho, onde quer que vá. Pode ser uma estratégia interessante pra não perder o rumo de casa e saber voltar quando se cansar da aventura. Mas é preciso ter cuidado, pra não cometer exageros e não divulgar uma fantasia como se fosse História. Deve-se ter a prevenção de manter a bagualada em potreiro restrito, para que não sejam essas patranhas um desmazelo em toda a terra.

4 Comentários

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    Rainer Postado 20 de setembro de 2013 16:03

    Ademir, belo texto. Realmente, nesta data o único dado que não é computado é a história…Abrçs

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    Joel Segalla Robinson Postado 20 de setembro de 2014 15:34

    Concordo e acrescento. Os costumes dos meus antepassados italianos e alemães no RS, mesclados com os costumes existentes dos bugres, charruas guaranis e outros é que formam a cultura riograndense e não gaucha. Vale acrescentar outros costumes dos imigrantes, açorianos, portugueses, espanhóis, japoneses, poloneses e e etc. Eu morei 10 anos em SP e 4 anos na Itália, ajudei a fundar um CTG em São José dos Campos, mas quando li tal da “carta de intenções” do MTG mudei de opinião pois é uma ode preconceituosa, autoritária e mentirosa sobre a história do Rio Grande do Sul. mas quem lucrou e lucra com isso é uma determinada ídia. Conheci em SP os CTN Centro de Tradições Nordestinas e é outra coisa onde se cultua os costumes sem preconceitos e aberto a todos.

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    alexandre Postado 8 de junho de 2015 17:16

    CTG Centro de Treinamento de Grosso.

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    paulo Postado 2 de agosto de 2015 18:14

    Cuidado com os esquerdopatas…..vi um deles escrevendo esse texto…..são especialistas em MENTIR E ENGANAR…………..cuidado…….

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