Festa no interior

[Arte – Aracy]

Faço parte do grupo que não gosta de carnaval. Não vou ao exagero de detestar, apenas não acho graça nenhuma em passar uma noite inteira saracoteando no meio da multidão, enchendo a cara de cerveja ruim, e ir pra casa de manhã, podre de cansado, e dormir o dia inteiro. Prefiro ficar em casa, visto que nessa época quase não há alternativas de entretenimento. Nem os desfiles das escolas pela televisão eu assisto. Nas poucas vezes que parei na frente de um aparelho de TV para isso, fiquei até constrangido com a pobreza poética dos hinos das escolas de samba. E os closes nas bailarinas, que poderia ser um atrativo do ponto de vista masculino, acaba se tornando cansativo, pelo excesso visual e pela falta de sutileza dos movimentos diante das câmeras.

Só mesmo uma opção irrecusável para eu abandonar minha casa num feriadão e encarar esperas e filas de aeroporto. Pois foi o que aconteceu. A convite de parente, passei o último carnaval num sítio, numa cidadezinha no interior de São Paulo, uns duzentos quilômetros da capital.  E é sempre uma descontração agradável ir a uma festa onde as pessoas vão para se divertir, brincar, encontrar os amigos. O local do desfile se resume a uma tradicional praça central na frente da igreja Matriz, onde pessoas idosas se acomodam nos bancos, as crianças gastam suas energias em correrias entre as árvores, e adolescentes expõem  suas graças sem ostentação nem agressividade. Lá, o chuveiro da alegria só lança uma água limpinha onde é possível se refrescar na brincadeira sadia.

Mas carnaval sem alguns apetrechos típicos não tem graça. Por isso, não podia faltar os rapazes vestidos de mulher, as fantasias bem-humoradas, como um homem sem camisa e uma gravata em forma de chupeta bem grande, e é claro, o trio elétrico, porque afinal, um pouco de baianice em fevereiro é fundamental. Mas as bailarinas que se apresentavam em cima do carro alegórico dançavam com graça e sensualidade bem comportadas, sem causar espanto nem na vovozinha sentada lá no banco da praça.

Num ataque de nostalgia, lembrei dos carnavais dos meus tempos de guri, numa cidade também interiorana no Rio Grande do Sul. Naquela época, a folia carnavalesca, para mim, era um bando de garotos que corriam atrás dos blocos infantis, domingo à tarde, e a beberagem se restringia a um guaraná acompanhado de algum doce comprado nas barracas montadas nas redondezas.

Mas agora, longe da infância, com um paladar refratário a refrigerantes e cervejas ruins, minha fantasia preferida é manter-me longe do rei Momo. Talvez por influência de uma avó descendente de índios, meu camarote preferido é uma rede, onde eu possa dormir embalado nas boas lembranças do passado e na paz no momento presente, na sombra de árvores, respirando ar puro. E como a pessoa que me acompanha está comigo há vários anos, e eu tenho emprego e casa, não preciso provar o ranranranranranran do meu lepo lepo pra ninguém, a vida é muito mais tranquila à beira de uma piscina, com churrasco, sossego, e gente inteligente pra conversar. Em tempos de demanda tão intensa pela exteriorização das sensações, exposições fotográficas até de refeições rotineiras, da necessidade de dar opinião sobre qualquer assunto, e estar sempre conectado com o que quer que aconteça, labirintos pelos quais não raro eu também me perco, sinto, de vez em quando, uma grande carência de isolamento, uma ânsia de saber o que realmente me satisfaz nesse emaranhado de tarefas em que me disperso diariamente, e o que de mim existe apenas por uma exigência de forças externas. Então, faço como no último carnaval, aproveito que o mundo inteiro se esvai na orgia das passarelas e me escondo em algum recanto no meio do mato, e deixo que minhas inclinações mais interiores se esbaldem na sua própria festa.

Escrever Comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados *