Ademir Furtado

Pois então eu falo. Eu conto como foi. Foi eu e o Gabriel. O senhor tem que acreditar, foi sem querer. Eu não queria matar, era só pra assustar.   Mas aí saiu tudo errado. A gente pensa em fazer uma coisa, sai outra diferente. É assim. Ninguém tem culpa.  Mas o senhor quer saber? Ele merecia. O Luizão era mesmo um rato muito ordinário. Depois que aprendeu tudo comigo, achou que já era homem pra andar sozinho. Chegou pra mim era um moleque, eu criei, dei a formação que precisava. E agora, como é que ele me paga? Com traição. Ele tava se passando pra outro lado. Queria se livrar da parceria. Eu não dava um pio, só ruminava aqui comigo.  O senhor acha justo? Vou engordar cria alheia? Não senhor! Eu ensinei tudo pra ele.  No começo ele ia direitinho no cabresto. Eu controlava tudo, rédea na mão. Ele ainda engatinhava na malandragem eu já era macaco velho. No primeiro carro que ele levou eu fiquei junto, dei orientação. Agora eu ia deixar ele encher o peito na minha frente e dizer o que que é certo e o que que é errado?  Ele era o mais forte do grupo. E gostava muito de mandar. E eu remoendo muita raiva aqui dentro. Chamei o Gabriel, tinha que soltar a cachorrada em cima daquele rato bexiguento. Ele tinha uma casinha perto do mato, se entocava lá. Era um lugar calmo, ele farejava de longe quem chegava.  Eu fui numa noite escura, caminhei até perto da casa. Deitei no chão com a barriga pra baixo e fui me arrastando por cima da grama na beira da estrada. E o Gabriel fez que nem eu e seguia o meu rastro. Por isso o Luizão não viu nossa chegada. Aí a gente entrou, ele ficou meio nervoso. Andava de um lado pro outro. Ele ficava irritado com surpresa. Falava coisa que eu não entendia, eu disse, assim, tu gosta muito de mandar, seu babaca, a gente forma um grupo, mas não tem líder. Então ele ficou furioso, começou a dar ordem, que nem chefe. Ele queria era ser o chefe do grupo. Mas eu sou o mais velho, o mais experiente, e o mais raivoso.  Eu falei alto também e disse baixa a crista, eu não gosto que um pirralho mande em mim, e que não gostava que ele falasse como um chefe, e ele respondeu, mandar é coisa pra macho, não pra bunda mole. Eu fiquei louco de raiva e ele gritava e caminhou até o armário onde guardava uma arma e daí o Gabriel, que ficou por perto, pronto pra dar o bote, apagou ele. Deu um tiro bem no meio da cara do miserável.. E depois ele no chão, morto, eu chutei o que era a cara dele e disse aprende, tu não é mais homem que ninguém, E aí eu falei, vamos embora daqui e saltei pra rua, e o Gabriel parecia louco, e pulava na volta do corpo e gritava, e eu não entendia o que ele dizia, e descarregou o revólver no infeliz.. O Gabriel queria era matar o Luizão. Eu queria só assustar, ele tinha gana era de esfolar aquele cachorro vivo. E o senhor sabe por quê? Eu sei, ele disse pro senhor,  eu é que queria matar por causa de dinheiro. Foi um trabalho num banco e o Luizão dividiu a grana. Depois deu no jornal uma notícia, o dinheiro levado era muito mais que aquele que ele dividiu. A desconfiança por causa disso, o Luizão sacaneou. Mas eu não acreditei nessa lorota, não. O senhor sabe, o jornal aumenta, e o povo fica com raiva, bandido ganha dinheiro fácil, não se arrebenta no trabalho feito animal de carga, não agüenta desaforo. Eu confiava no Luizão. O Gabriel, não. Não confiava e não gostava. Ou gostava, não sei. Sei é que queria matar por causa do tempo da Febem. O senhor não sabia? Ele conheceu o Luizão lá, e o Luizão gostava de gurizinho e daí pegou o Gabriel pra ele. O senhor sabe como é que o Luizão chamava ele? Gabi. Isso mesmo, Gabi. E o Gabriel saiu da Febem e só pensava nele. Quer dizer, só pensava em matar ele.  A garota? Também foi sem querer. Terminou a briga, a gente foi lá pra casa, jantar. Aí o Gabriel contou, quando ele descarregava aquele monte de bala na carcaça do miserável, apareceu a guria e ele disse pra ela, fica bem quietinha senão vai acontecer o mesmo contigo, depois correu pra rua.  Então eu disse, mas essa idiota vai te reconhecer, amanhã tá todo mundo na nossa cola, e ele respondeu, não tem perigo, ela era uma transa nova do Luizão e nunca viu a gente.  Terminei a janta, falei pro Gabi, ela tem que sumir também. Encontrei ela deitada em cima do corpo, chorando, nem viu quando eu entrei. Eu fiz um barulho na porta, ela viu e começou a gritar que nem uma doida. Eu dizia fica quieta, tá tudo bem, eu só queria falar com ela, dizer pra sumir dali e nunca mais aparecer, ela não ouvia, e gritava mais ainda, e queria fugir, e corria pra lá e pra cá, e foi se esconder lá no quarto. Eu fui atrás e ela dizia demônio, vai pro inferno, e mais um monte de praga.  Aquilo me deixava louco, peguei pelo ombro e sacudi com força, ela pulou pra trás, caiu em cima da cama. Aí é que eu vi, a putinha era bem gostosinha e me deu uma baita duma tesão.  Saltei em cima dela, baixei a calça, ela pegou uma garrafa de cerveja vazia no chão e fez esse corte aqui na minha cara. E não parava de gritar. Trançou um pé no noutro pra eu não entrar no meio das pernas dela, eu forçava, mas levei esse arranhão aqui no peito. Daí eu dei uma porrada na cara dela que ficou amontoada em cima da cama. Pulei em cima, rasguei toda roupa dela, ficou bem peladinha, mas continuava gritando e esperneando, até que eu consegui sentar em cima duma perna dela e segurar a outra, daí enfiei o cano do meu revólver…ali…o senhor entende, e disse fica bem quietinha agora, e ela foi obedecendo, foi relaxando, e eu ali, o senhor sabe, eu ia dar o maior trato nela, ela parou de gritar, começou mexer a cabeça pra um lado e outro, e eu fui soltando de vagarinho, eu sabia o que ela queria, mas de repente ela puxou uma perna e me acertou um pontapé aqui no peito, e o revólver disparou. Aí eu louco de raiva apertei o gatilho mais uma vez pra ela não se fazer mais de gostosa pra cima de mim.  E foi assim que aconteceu, doutor. Ninguém queria matar ninguém. Foi tudo sem querer.

Escrever Comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados *