Coletivo da alegria

Uns três anos atrás, eu decidi que não ia mais dirigir. Me desfiz do meu carro na primeira revendedora de usados que encontrei, e nem me ocorreu barganhar oferta. Esse radicalismo não foi consequência de nenhum trauma, nunca me envolvi em acidentes, até que eu dirijo bem direitinho. Também não foi caso de corte de despesas. Se bem que IPVA, seguro obrigatório, garagem, estacionamento, flanelinha, tudo isso, às vezes, me dava vontade de engatar uma primeira e sair atropelando meio mundo. Mas não foi nada disso, eu sempre fui muito controlado com gastos, um sujeito que anda na faixa certa, na velocidade permitida. A questão real é que eu nunca gostei de carro. Por muitos anos mantive certo desdém por esse fetichismo do automóvel, essa patologia social que afeta quase todos os brasileiros. Acho patético esse comportamento típico de classe média de ter uma lataria ambulante como demonstração de status. Mas um dia fui contaminado, tive meu período de convalescença e me curei.

O sintoma mais evidente da minha doença era a impaciência com a selvageria e a falta de educação no trânsito. Não que eu me considere um nobre, ou tenha hábitos muito delicados, não chega a tanto.  Apenas nunca pretendi ser o dono da rua, nem preciso ser o primeiro a chegar a lugar nenhum e nunca tive a fantasia de que o meu carro era o maior, o mais potente, o mais bacana, o mais qualquer coisa.

Além das chateações causadas pelo volante, vou confessar uma coisa que poucas pessoas vão entender: eu sentia saudade dos tempos em que andava de ônibus. Muitas vezes, ao me sentir sozinho dentro do meu carro, tive ganas de abandoná-lo no meio da rua e entrar naquele coletivo que passava cheio de pessoas alegres e divertidas, conversando e rindo em tom de mais sincera alegria. E foi nesse retorno às minhas origens que redescobri o charme dos meus tempos de estudante, quando a renda vinha de alguma bolsa de estudo.

Mas não só o glamour. Há também alguns benefícios inegáveis no uso do transporte público no Brasil. O primeiro deles é o teste da nossa resistência física. Sentar num banco mais duro que uma laje de concreto e ir todo o trajeto dando pulinhos involuntários é uma ginástica que pode suprimir gastos com academia. Para quem vai de pé, ainda há o ensejo para exercitar a capacidade de equilíbrio, pois basta o feliz passageiro pôr o pé dentro do veículo que o atento motorista, sempre preocupado em testar nossos reflexos, vai dar uma arrancada de supetão, daquelas que nos desenhos animados fazem os personagens saírem pela janela. Caso o viajante não tenha conseguido se segurar a tempo, não há problema. Sempre haverá outro afortunado cristão no meio do corretor que servirá de amparo ao desequilibrado vivente e os dois acabarão irmanados em fraternal abraço. Não raro esse momento resulta em grande amizade.

E já que toquei nesse assunto, creio que o maior benefício que se tem ao andar de ônibus é o contato humano. Grande parte dos amigos que tenho hoje no facebook são pessoas que conheci na parada do ônibus. O assunto começa invariavelmente com o “faz tempo que está esperando?”, e continua com comentários sobre a qualidade da viatura e a expectativa de encontrar os velhos amigos que certamente vem naquele horário, afinal, se conheceram naquela linha. Muitas vezes o assunto se estende inclusive com confissões pessoais ao grupo, pois nesse momento já chegou mais gente. E se houver um bar por perto, os amigos podem até compartilhar uma cerveja para acompanhar tão alegre colóquio. Uma verdadeira terapia. E o brinde será para comemorar o aparecimento do tão esperado que acabou de dobrar a esquina. Eis aí uma alegria que nenhum rico será capaz de experimentar: a satisfação indescritível de ver o ônibus se aproximar do ponto após quarenta minutos de espera.

Passados alguns anos vejo o tempo que perdi, as várias oportunidades desperdiçadas, por vaidade, por egoísmo de querer ter um carro e andar sozinho pela rua. Nada que se compare à alegria de uma vida coletiva.

2 Comentários

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    Luiz Deschamps Postado 24 de março de 2014 14:57

    Graaaandee, Ademir!! Lembra demais os meus tempos de T3, hehehehhe!! abrasssss forte, camarada!!! e hastalavista!!!

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    Rogerio Fernandes Costa Postado 4 de novembro de 2014 17:18

    Ou seja o coletivo de Alegria é FLAMENGO

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